sábado, maio 20, 2006
Sopa dos Artistas
O Alentejo, mais precisamente o Concelho de Odemira, recebeu e aloja um grande grupo de artistas, nacionais e estrangeiros que mais ou menos dispersos desenvolvem o seu trabalho. Lutam com algumas dificuldades para divulgar e aceder ao público em geral e ao mercado da arte em particular. A Associação denominada “Sopa dos Artistas” nasceu do encontro de alguns artistas que se congregam, com os seus pares, a fim de conferir visibilidade às actividades artísticas que desenvolviam isoladamente. O encontro nos seus espaços individuais e a identificação comum com o objectivo fundamental de criação e divulgação artística conduziu às reuniões em torno da mesa onde se delinearam estratégias, definiram estatutos e se condimentaram as sopas de que tomaram o nome.Temos por objectivo dinamizar as artes plásticas organizando exposições, Workshops, colóquios, ateliers, feiras, tertúlias, e espectáculos, proporcionando à população em geral, e aos estudantes, em particular, actividades artístico -culturais das quais, se encontra esta região tão carenciada.
O Alentejo, mais precisamente o Concelho de Odemira, recebeu e aloja um grande grupo de artistas, nacionais e estrangeiros que mais ou menos dispersos desenvolvem o seu trabalho. Lutam com algumas dificuldades para divulgar e aceder ao público em geral e ao mercado da arte em particular. A Associação denominada “Sopa dos Artistas” nasceu do encontro de alguns artistas que se congregam, com os seus pares, a fim de conferir visibilidade às actividades artísticas que desenvolviam isoladamente. O encontro nos seus espaços individuais e a identificação comum com o objectivo fundamental de criação e divulgação artística conduziu às reuniões em torno da mesa onde se delinearam estratégias, definiram estatutos e se condimentaram as sopas de que tomaram o nome.Temos por objectivo dinamizar as artes plásticas organizando exposições, Workshops, colóquios, ateliers, feiras, tertúlias, e espectáculos, proporcionando à população em geral, e aos estudantes, em particular, actividades artístico -culturais das quais, se encontra esta região tão carenciada.
Filosofia:
Sopa de amigos
Uma sopa é, por definição, uma mistura de diversos ingredientes, supostamente naturais. Mas não uma mistura qualquer: numa boa sopa as correctas proporções das partes são fundamentais para o êxito do todo. Além deste considerando, é crença generalizada que para uma boa sopa muito conta a qualidade dos ingredientes. Faça-se uma sopa com batatas e legumes normalizados, desventrados da sua essência natural, inundados de químicos para os maquilhar e preservar dos bichinhos a que despertam o apetite, clonados de um original de bom aspecto exterior mas com sabor a água destilada, quando não a uma massa inerte e desodorizada, e prove-se o resultado... E eis porque cozinhar uma boa sopa está longe de estar ao alcance de qualquer um. A minha avó Amália, que foi a minha mestra gastronómica para o resto da vida, e que cozinhava fartas sopas alentejanas, dizia-me que “para cozinhar uma boa sopa era preciso ter mãozinhas de artista.”E chegamos à Sopa dos Artistas, associação activa no Concelho de Odemira. Que é uma boa sopa: bons e naturais ingredientes, verdadeiros e personalizados, longe da normalização indesejável, juntos numa correcta proporção. Pelo menos assim o é na maior parte das suas exposições. É claro que tudo isto não deixa de ser diferente para quem a vai provar: há quem goste de sopas fortes que nos inundam de sabores e odores e nos dão murros no estômago, e há quem prefira sopas sublimes e leves que se evaporam directamente do céu da boca para os cantos recônditos da alma; há quem nelas procure o sabor da terra e quem nelas queira atingir os céus. Entenda-se que assim sendo, é muito difícil fazer uma Sopa de Artistas. Mais difícil que a Sopa dos Artistas.Tenho um amigo que me pergunta sempre quando é a próxima exposição da Sopa dos Artistas, onde além da arte podemos apreciar uma concreta, variada e única sopa. Quem costuma ir a estas exposições talvez já o tenha visto: é um fulano magríssimo, rosto anguloso, roupas de trapos a dar para o andrajoso, sempre agarrado a um cajado grosseiro e desusado. Costuma segurar o corpo contra o cajado e olhar fixamente para as obras de arte. Demoradamente, como se fosse um homem-estátua. A sua figura até já foi confundida com uma instalação hiper-realista. Este meu amigo, que palmilha quilómetros de propósito para vir à Sopa dos Artistas chama-se José Cabral. Mas desde o liceu que é conhecido, entre os mais próximos, por Zé Frugal. Está claro porquê: o Zé Frugal praticamente não come. Aliás, o Zé Frugal parece ter abandonado todos os prazeres materiais. Vive do ar e da fruição da arte e da natureza. Quando me vê comer ou beber, o Zé mira-me com um olhar de pena e repreensão pelos meus pecados do corpo. Não me surpreenderia se um dia me viessem dizer que o Zé tinha entrado para um convento, tal a sua propensão para a exclusiva contemplação do mundo. Tenho um outro amigo que não suporta o Zé Frugal, e que é o seu oposto. Por ironia do destino também se chama José e também é conhecido por um apelido alternativo. De nome registado José Guerreiro, que é, provavelmente, o nome masculino mais comum no concelho de Odemira. Talvez por isso é mais conhecido por outro nome: Zé Pancinha. O Zé Pancinha é o homem mais talentoso que eu conheci a fazer malabarismos com o palito na boca. Está sempre de palito na boca e de nódoas de gordura na camisa. Uma vez levei-o à Sopa dos Artistas e despachou três sopas em menos de um instante. Apreciou-as e enalteceu-as. Já o resto da exposição não lhe agradou: denegriu as obras e blasfemou-as com a serenidade que o caracteriza e utilizando adjectivos tão depreciativos que, felizmente, o Thomas Wimmer (o único dos artistas que as escutou), não entendeu o seu significado em português corrente. Mas desde então tornou-se habitual vê-lo na Sopa dos Artistas. É, aliás, um dos clientes mais assíduos das sopas e dos copos de vinho, que suspeito se contem entre as maiores receitas da Sopa dos Artistas.Tal como o Zé Pancinha desdenhava das obras de arte, também o Zé Frugal ignorava a sopa. Quando passava junto ao caldeirão das ditas, fitava-o por cima do ombro e um tanto escandalizado, assim como se fosse um prior a olhar para uma pin-up. Ora numa Faceco, na tendinha da Sopa dos Artistas, o Zé Pancinha, particularmente entusiasmado com uma sopa de osgas, lá confessou que até gostava de alguns quadros. Era o primeiro passo. E daí às primeiras aquisições foi um saltinho. Era o caminho da sopa para a arte.E na última exposição fui dar com o Zé Frugal sentado nos degraus da sala, cajado a descansar, a devorar, extasiado, uma sopa. Dir-se-ia, pela avidez, que nunca comera na vida (e se calhar...). Parecia um inventor perante a última grande descoberta. “Então, Zé?” perguntei-lhe, admirado. O Zé Frugal olhou-me e sorriu: “é que para fazer uma boa sopa são precisas mãozinhas de artista”.
Fernando Évora